terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Vitamina B12 - Visão Geral







A arte de não curar

A arte de não curar




E
ntre as múltiplas facetas de George Ohsawa – poeta, filósofo, escritor, tradutor, editor, conferencista, homem de negócios – destaca-se a de curador. Aqueles que o seguiram de perto deixaram o extraordinário testemunho das tantas vidas que Ohsawa libertou da dor, do sofrimento e da morte estúpida. Françoise Riviére, que participou do primeiro acampamento organizado por Ohsawa na França, não hesita em comparar as curas a que assistiu às do Novo Testamento: “As curas realizadas no famoso acampamento de Chelles, em 1957, foram tão impressionantes que não podemos senão equipará-las aos milagres operados pelo Cristo.”

Mas o Ohsawa curador jamais identificara a doença ao mal e a saúde ao bem. Ohsawa deu mostras inequívocas de que alcançara o fundamental: sabia como poucos que um princípio paradoxal governa o mundo fenomênico, que nada escapa à sua poderosa influência, que mesmo a saúde e a doença não se furtam ao seu domínio.

Circunstâncias houve em que Ohsawa percebeu que o “melhor” seria o “pior”: há doentes que se não devem curar, sob pena de, uma vez libertos dos limites impostos pela doença, multiplicarem a própria infelicidade e a dos que os cercam. Nestes casos, deve o verdadeiro curador, arriscando-se embora a ser mal compreendido pelo doente, negar-se a curá-lo.

É o próprio Ohsawa quem nos relata um caso que vem muito a propósito.

Ouçamo-lo:

Não se deve curar a doença, mas sim o doente.

 Um dia, em 1944, já próximo ao fim da guerra, o diretor de um laboratório farmacêutico veio procurar-me pedindo um conselho. Tinha ficado rico fabricando um remédio especial para a cura da asma.

̶  Venho solicitar vossas instruções dietéticas.

̶  Estais doente?

̶  Sim, sofro de uma asma ‘incurável’.

̶  Asma? Mas e o vosso famoso medicamento?

̶  Ah, não tem adiantado.

̶  Mas não tem tido uma tão grande saída?

̶  Tudo é possível vender investindo somas elevadas em anúncios diários nos jornais.

̶  Então o vosso produto não é eficaz?

̶  Deveis saber bem disto, uma vez que já escrevestes tanto que não existe medicamento nem operação que cure a asma.

̶  Mas o vosso...  que é tão vendido...  ?

̶  Caro Senhor, desconheceis o que é o comércio e a indústria hoje em dia. Ganhei muito dinheiro, mas quanto mais ganhava tanto mais gastava; e agora, por anos e anos, venho eu mesmo sofrendo de asma. Desnecessário dizer que tentei todos os meios de cura, mas em vão. Vosso método é minha última esperança. Conheço-o perfeitamente, pois foi graças aos vossos ensinamentos, há dez anos, que minha esposa e filhos recuperaram a saúde e ainda a conservam.

̶  Muito bem. Sinto-me feliz. Isto quer dizer que vossa esposa adquiriu uma boa compreensão do meu método e teoria. Então, nada tenho para dar-vos. Basta seguir vossa esposa, isto é, comer o que ela prepara em casa e nada mais.

̶  Mas é muito difícil...

̶  Sim, eu sei. Tendes de comer fora, diariamente, com vossos amigos e fregueses. Mas não tendes outra alternativa entre viver e morrer, ser ou não ser, longevidade ou morte prematura.

Depois de uma movimentada conversação, pois ele é muito Yang, despedi-o sem dar as instruções solicitadas.

Após sua partida, minha secretária, Srta. Sima Moriyama, que abandonou uma posição muito importante como nutricionista a fim de ser uma de minhas secretárias, disse, parte para si mesma e parte para mim:

̶  É muito justo. Não há necessidade de dar instruções ao diretor de um laboratório farmacêutico que fabrica e vende tanto veneno para empilhar dinheiro sem que, primeiramente, admita que tal indústria é uma grande fraude, abandone seu negócio e confesse publicamente nos jornais que engana seus concidadãos.

̶  Não, Srta. Sima, não foi esse o motivo por que o despedi esta manhã. Não creio que ele terá disposição de seguir sua esposa, apesar de ela ter feito todo o possível. Pela primeira vez cheguei à conclusão, esta manhã, que ele deve ser repelido, que ele não deve ser curado.

̶  Mas por quê?

̶  Porque, de acordo com o diagnóstico baseado em sua fisionomia, constatamos que ele possui características demasiado Yang difíceis de erradicar.  Ele é muito Yang, não é verdade?

̶  Oh, sim, é verdade. É muito barulhento, conversador, agitado...

̶  É isto mesmo; ele é demasiado Yang. Tem muitas amantes e não pode ser um marido fiel. É uma infelicidade tanto para ele como para a família. Mas, se é asmático, deve ser muito cauteloso. As crises asmáticas são muito fortes e penosas. A asma é uma reação de seu sistema nervoso autônomo e ajuda a contrabalançar seus excessos. Se fosse curado, como é exageradamente Yang, ele e sua família teriam de sofrer muitos e maiores padecimentos posteriormente.

Yin atrai Yang e Yang atrai Yin. É a lei da natureza. Se comermos demasiado Yang, ficaremos demasiado Yin. Mais cedo ou mais tarde teremos de compreender isto ou morrer.

Srta. Sima, não devemos curar a doença, mas sim o doente. Às vezes temos de recusar curar aquele que seja demasiado arrogante e egoísta, e esperar até que fique mais humilde e com vontade de aprender.